Ponto prévio: tenho com a banda
desenhada de Miguelanxo Prado uma relação de amor. Há qualquer coisa no seu
desenho, e no uso que faz da cor, que nos transporta para um lugar de conforto.
As personagens, mesmo quando são de moralidade questionável, têm qualquer coisa
de profundamente humano na forma como o autor as desenha. À falta de melhor expressão,
a banda desenhada de Miguelanxo Prado parece sempre vir de um lugar bom (mesmo
quando é irónica, sarcástica ou mais "negra").
Foi por isso com especial prazer
que recebi o anúncio da Ala dos Livros que a nova obra de Miguelanxo Prado
teria lançamento mundial em Português. Durante 3 semanas, quase diariamente fui
perguntando na Livraria Ler (com a sua boa e compacta secção de BD) se
já estava disponível, até que acabei por não resistir mais e dirigi-me à FNAC para
adquirir o livro. Lido de imediato, estes dias de quarentena mereceram uma
releitura bem mais cedo do que o normal. E mês e meio depois voltei às páginas
deste Prado.
Em O Pacto da Letargia a (falta de) harmonia que a raça humana tem com o planeta que habita (com Gaia na expressão utilizada no livro), serve de mote a uma aventura
com magia, misticismo, algum mistério e um confronto clássico entre o bem e o
mal - na forma de criaturas místicas despertas antes do tempo devido, para
julgar a humanidade pelo que tem feito. Sendo que o mal não está
necessariamente errado nos fins que procura, ainda que o esteja nos meios para o
alcançar…
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Bem e Mal (Griam e Xamaín) contam
com aliados humanos para alcançar os seus fins e é nessa construção de
personagens que Prado melhor brilha no argumento. A construção das personagens
é bastante clássica, mas as nuances de personalidade que Prado lhes dá fazem
toda a diferença. O humor ácido e irónico magistralmente presente no duo Lucho
e Indalécio, um par de vilões de aluguer a quem os “trabalhos de profissionais”
parecem sempre correr com algum percalço, Faustino Traba, o aristocrático, fiel
retrato do alcance da estupidez humana e Figueira Chao o clássico oportunista cujo
“sucesso” de vida foi sempre alcançado em esquemas que prejudicam outros em seu
benefício. Do lado do bem, o jovem idealista e ainda inocente Artur, que encontra
o seu mestre no velho Professor Ancares Díaz, e cumplicidade na bela Lúa, humana
ainda portadora de um pouco da Magia que em tempos adormeceu no mundo.
No final, a estória não vai muito longe
daquilo que sempre pensámos que poderia acontecer (ao contrário de Presas
Fáceis, o anterior livro do autor, bem menos linear no argumento), mas fica aquela
sensação de que também não era suposto acabar de outra forma. E o conforto (lá
está uma vez mais o conforto) de um livro que se acaba de ler e nos deixa com a
boa sensação de termos gostado de o ler.
Claro que essa sensação só é possível porque Miguelanxo Prado desenha, também neste livro, de forma maravilhosa. Notável no desenho das personagens e na forma como a sua fisionomia induz parte da sua personalidade, incrível nas paisagens naturais (de que o prelúdio é excelente exemplo) e perfeito na forma como utiliza a cor para dar textura e dimensão a personagens e cenários.
Uma última palavra para a edição:
a Ala dos Livros tem pouco tempo de edição mas um catálogo já bem apreciável
para uma editora a cumprir agora o seu 2º aniversário. E é manifestamente gerida
por gente que percebe o prazer que um leitor tem em ter livros bons, mas também
livros belos na mão. Este O Pacto da Letargia cumpre o propósito: capa extraordinária
(o desenho de Prado é incrível), papel de qualidade, formato adequado ao
desenho de Prado (ainda que fique com vontade de ver este livro em versão
oversize) e com uma escolha particularmente feliz nos tipos de letra na legendagem.
Fica a mancha de um erro de legendagem grosseiro na fase inicial do livro (página
19) que a obra de Prado e a própria editora não mereciam.
Não é o melhor livro de Prado,
mas Prado, mesmo quando não está no seu melhor, é muito melhor do que a maioria
dos outros. E para os que gostam de ler pelo prazer de ler é obrigatório
comprar este Prado.
Para um outro ponto de vista, a
análise crítica no blog As Leituras de Pedro: http://asleiturasdopedro.blogspot.com/2020/01/o-pacto-da-letargia.html
Para conhecer um pouco mais sobre
o autor, a entrevista de Miguelanxo Prado (Somos lo que Recordamos) ao canal
Youtube LIMAIA.TV em 2017 - 48 deliciosos minutos:
https://www.youtube.com/watch?v=_rML-G0FlLs
https://www.youtube.com/watch?v=_rML-G0FlLs
O PACTO DA LETARGIA
Argumento, Desenho e Cores: Miguelanxo Prado
Ala dos Livros - Janeiro de 2020
240mm x 320mm, 104 páginas, capa dura
24,90 €
Argumento, Desenho e Cores: Miguelanxo Prado
Ala dos Livros - Janeiro de 2020
240mm x 320mm, 104 páginas, capa dura
24,90 €
Avaliação:
Boa noite
ResponderEliminarParabéns pelo seu blogue. Li as suas críticas deste livro e do post anterior e concordo em pleno com as suas análises. Estou ansioso pelos novos volumes de "Lucky Luke de autor" já anunciados pela A Seita. Já coloquei o link deste blogue no meu, retribuindo com amizade a sua linkagem. Abraço
Obrigado caro José pelas simpáticas palavras e sobretudo pelo imenso trabalho que tem feito pela Banda Desenhada em Portugal com o seu blog e com o Catálogo de Banda Desenhada publicada no nosso país.
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