sexta-feira, 24 de abril de 2020

Southern Bastards - Vol. 1 a 4



    Em Southern Bastards nada é fácil… O argumento carregado de violência nem sempre muito digesta. O desenho que se estranha e se apresenta cru, quase rude na forma como nos dá um soco no estômago inicial. As capas um pouco toscas naquele imenso vermelho que nos avisa que nos espera muito sangue, provavelmente mais do que aquele que queríamos ver. As cores carregadas, intensas, a concorrerem para uma sensação de atmosfera opressiva de um sítio onde não queremos ir e muito menos ficar.
   Southern Bastards promete tudo isto e entrega muito mais: Jason Aaron não se poupa a nada e faz desfilar ao longo dos 4 volumes (20 números) publicados até ao momento (a série está parada desde Maio de 2018) tudo aquilo que odeia no Sul do Estados Unidos. O Sul que ama. E sempre com a sensação que ainda tem muito ódio para contar. 


   E Jason Latour vai um pouco mais longe e dá-nos tudo aquilo que um desenhador tem para dar: domina de forma excepcional a arte de transmitir emoções pelo desenho. A estória anda ao ritmo que Latour quer e o leitor, goste ou não goste, leva com tudo aquilo que Latour quer dar. A arte de Latour é bonita? Provavelmente não. Mas é brilhante na forma como espreme todo o sumo que cenas e personagens têm. Do tal estilo rude sempre que temos maus em cena (e temos quase sempre maus em cena), ao estilo quase cartoonesco (a lembrar um muito improvável Tim Sale) dos menos maus que desfilam na estória, até um piscar de olhos recorrente ao estilo de Andrea Sorrentino em algumas cenas e cenários.


   Poderíamos pensar que Jason Latour já tinha dado tudo a esta estória, mas vai um pouco mais longe: as cores destacam-se de uma forma impressionante. Há tanto contraste, a criar a tal atmosfera opressiva, e tanto vermelho, que é impossível não estarmos sempre a pensar em mais sangue e violência. Latour é imenso no trabalho que faz em Southern Bastards.


   Tudo neste livro concorre para essa força brutal e avassaladora que nos empurra e esmurra enquanto lemos, e até a legendagem colabora: na versão original (Jared Fletcher) está tudo sempre no sítio certo e com o formato e tamanho certo para chamar a atenção quando é preciso. A legendagem da G.Floy é relativamente fiel mas o tipo de letra utilizado (mais espaçado) retira algum do contributo que a legendagem dá no original.


   No restante, a edição portuguesa da G.Floy é, como habitualmente, muito boa: capa dura, papel de qualidade, sem erros que se notem (em 4 volumes não detectei nenhuma gralha evidente) e um conjunto de extras que são mesmo mais-valia. Sobretudo os textos que Jason Aaron e Jason Latour foram escrevendo ao longo da obra e que nos permitem perceber o que esta série é para estes autores. 
   Uma nota negativa para a parca paginação ao longo dos 3 primeiros volumes e para a ausência total de paginação no 4º volume, de resto em linha com o original. E para o significativo aumento de preço do 4º volume sem que nada aparentemente o justifique.
   Southern Bastards não é fácil… E também não é para todos. Mas para aqueles que é, vai ser uma leitura muito intensa.  



Para algo mais de Jason Latour, uma interessante entrevista ao canal Youtube “The Frog Queen” em
https://www.youtube.com/watch?v=TCrdZ2r65mI

SOUTHERN BASTARDS   
Argumento: Jason Aaron (e Jason Latour)
Desenho e Cores: Jason Latour (e Chris Brunner)
Vol. 1: Aqui Jaz um Homem (G.Floy - 2015)

176mm x 262mm, 128 páginas, capa dura
€9,99
Vol. 2: Sangue e Suor (G.Floy - 2016)
176mm x 262mm, 112 páginas, capa dura
€9,99
Vol. 3: Regressos (G.Floy - 2017)
176mm x 262mm, 160 páginas, capa dura
€11,99
Vol. 4: Tê-los no sítio (G.Floy - Dezembro 2018)
176mm x 262mm, 168 páginas, capa dura
€ 16,00

Avaliação:

sábado, 18 de abril de 2020

Quarentena Crónica


  

   O Nuno Saraiva faz parte de uma mão cheia de autores portugueses que construíram um estilo muito próprio, inconfundível, no panorama da Banda Desenhada e da Ilustração. No caso do Nuno Saraiva, ao traço, junta-se uma paleta de cores muito característica, que nos permite facilmente identificar o seu trabalho. Homem de muitos ofícios, com uma impressionante produção em quantidade, qualidade e diversidade (começou com uma capa de um Disco histórico na música portuguesa, foi à BD onde sempre continua, fez as Festas de Lisboa, azulejos, um Vitral, tem Murais por muita Lisboa, entre tantas outras coisas) o Nuno aparece agora num registo gráfico (página de jornal) muito próximo do que o tornou conhecido há mais de 25 anos nas páginas do Independente, a Filosofia de Ponta.


   Uma página de jornal sob o nome Quarentena Crónica, no suplemento P2 aos Domingos no Público (desde 22 de Março), com textos de Marco Neves Ferreira, e o Nuno Saraiva a encontrar o desenho certo para ilustrar o texto. O que faz de tal forma bem feito, que por vezes nos perguntamos se não será o Marco a encontrar o texto certo para o desenho do Nuno. José Barosa e Henrique Santos são responsáveis pelas cores e são fiéis ao trabalho característico de Nuno Saraiva.
   8 momentos de quarentena por semana, num retrato inteligente, por vezes irónico e sempre mordaz do que somos como povo e como temos vivido estes dias de quarentena. Faz-nos bem vermos o nosso retrato.   



   Esta Quarentena Crónica não engana: é Nuno Saraiva no seu traço característico e que tão bem ilustra uma determinada forma inteligente de fazer humor, sem perder um certo cariz “popular” no desenho que o torna tão facilmente apaixonante. Humor obrigatório para estes dias tão sérios.

 

Quarentena Crónica disponível no Instagram em
e no Público on-line em

Para outros trabalhos do Nuno Saraiva neste período de quarentena (e não só)

E para algo completamente diferente, a entrevista ao Nuno feita pela ArteClip TV a propósito da excelente série Figuras Clássicas do Terror

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Dylan Dog - O Imenso Adeus


  
Capa de Corrado Roi
      Só conheci Dylan Dog já bem tarde no meu percurso como leitor de BD: o nome não me era estranho, acompanhava a galeria de personagens Bonelli que ia lendo regular ou ocasionalmente (Tex, Zagor, Mr. No ou Ken Parker), mas a verdade é que nunca tinha despertado a curiosidade necessária para uma leitura (que se antevia difícil) no original italiano ou nas poucas edições brasileiras existentes.
   Em 2010 quando Filipe Melo lança o seu Dog Mendonça e Pizzaboy percebo que, no meio de algumas coisas que eram referências para o seu livro (e também eram referência para mim), lá estava Dylan Dog, tão importante para o Filipe que lhe dava o nome da sua personagem principal. Percebi nesse momento que realmente boa Banda Desenhada me podia estar a passar ao lado.
   E estava mesmo: se as edições da Record e depois da Mythos me deixavam aquele amargo de boca de já não ter muita paciência para ler as traduções para brasileiro (e o italiano continuava a não ser opção) foi com muito entusiasmo que recebi as edições Portuguesas, primeiro da Levoir e depois nesta Colecção Aleph que é actualmente apadrinhada pela A Seita.
   Por isso os 2 mais novos Dylan Dog no mercado Português, entre eles este O Imenso Adeus, também fizeram parte das encomendas de quarentena que fiz. 
página 23
   Marcheselli e Sclavi são notáveis no argumento, partindo de uma estória familiar já muitas vezes escrita, aquele Amor de Verão de adolescência que todos tivemos/conhecemos. Amor esse que, ainda que a vida tenha continuado quase sempre para outras direcções (e para outros amores), se mantém naquele lugar especial da nossa memória emocional, lugar próprio das coisas que nos fazem sorrir e nos colocam aquele “e, se?...”.
   Dylan Dog também tem esse Amor na bela Marina Kimball, co-protagonista deste livro, de quem recebe uma visita inesperada e com quem viaja de regresso a Moonlight, local desse mágico Verão.
   Como quase tudo em Dylan Dog, nada é linear (sejam personagens, viagens, amores, regressos…) e Marcheselli e Sclavi aproveitam essa premissa do universo Dylan para nos contar este Amor e esta viagem de regresso de forma subtilmente diferente e brilhante.
   Dylan Dog e Marina vão desfilando no conjunto das suas recordações de adolescência, deixando a Dylan, e ao leitor que os acompanha, aquela sensação de que o tempo pode ser recuperado ainda que saibamos que se há coisa que não pode ser recuperada, é o tempo. 
 

  E a estória continua o seu caminho sem que nada nos chegue a surpreender verdadeiramente, mas por outro lado sem que saibamos exactamente o que vai acontecer. Nessa tensão entre aquilo que percebemos e o que julgamos perceber, o argumento encontra espaço para nos deixar na expectativa sobre o final feliz que desejamos e que julgamos saber não ser possível.
   O desenho de Carlo Ambrosini não compromete, e respeita a estética de Dylan Dog, mas nunca chega a alcançar a qualidade superior do argumento. O ponto de interesse maior na arte, está entre a alternância entre o uso de tinta-da-china (para o presente) e o de aguarela (para o passado), sendo que nesta última é onde Ambrosini melhor se expressa e onde consegue por vezes algum brilho.
 
A alternância entre Tinta-da-china e aguarela
   A edição de A Seita segue a habitual qualidade da editora: capa dura, papel adequado ao preto e branco deste Dylan Dog e na escolha da magnífica capa de Corrado Roi (capa utilizada na republicação da estória na coleção Dylan Dog Granderistampa). E com os descontos destas promoções de quarentena, um preço muito simpático para este livro.
   Para quem não conhece Dylan Dog este é o ponto de partida certo para o conhecer: uma estória familiar, o fantástico e o mágico sempre presentes, e o irresistível charme trágico tão característico de Dylan Dog.
   Para os que o conhecem, têm aqui um dos belos livros que irão ler este ano. Para mim o melhor livro desta quarentena: Dylan Dog não fica melhor do que este O Imenso Adeus.

Outro ponto de vista sobre a obra, no blog Vinhetas 2020

Para uma (rara) entrevista do criador de Dylan Dog, Tiziano Sclavi, a propósito dos 30 anos da personagem, em 2016

Dylan Dog – O Imenso Adeus
Argumento – Tiziano Sclavi & Mauro Marcheselli
Desenho – Carlo Ambrosini
A Seita – Março de 2020
170 x 230 mm, 104 págs., capa dura
12,50€

Avaliação: