Aproveitando as promoções de quarentena que quase todas as
editoras vão fazendo, recebi por um destes dias uma encomenda de A Seita
onde se incluía O Homem que matou Lucky Luke. Editado em 2016 por
ocasião dos 70 anos de Lucky Luke e premiado em Angoulême em 2017 (Prémio
Especial do Público), conheceu em Fevereiro deste ano a sua edição em Portugal.
Resisti durante algum tempo a comprar este livro (não muito,
bem sei…) até porque dificilmente conseguia imaginar uma morte à altura do
cowboy que dispara mais rápido que a própria sombra. Pairava aquele medo de
desilusão, quando voltamos a sítios que tão bem conhecemos e que já não são bem
a mesma coisa…
Mas entre o que fui lendo em redes sociais e blogs e a
magnífica capa que A Seita foi divulgando (igual à da edição francesa da
Dargaud) para a edição regular do livro (o livro tem também uma edição FNAC
limitada a 750 exemplares, com capa exclusiva), acabei por não resistir a que
este fosse um dos selecionados na promoção de quarentena.
O mercado português está a atravessar um momento
particularmente bom na qualidade da edição dos livros (a G.floy deu o pontapé
de saída o que muito agradeço como leitor) e este Lucky Luke não foge à regra:
capa e papel de qualidade, legendagem e balonagem cuidadas e uma tradução (apesar
de não conhecer o original) que parece não ferir susceptibilidades.
Capa FNAC |
Fica o óbvio da primeira impressão de leitura: Matthieu
Bonhomme não é Morris (ou Achdé) no desenho, e não pretende ser. O seu Lucky
Luke e o seu Jolly Jumper são mesmos seus, e o próprio Lucky Luke só lembra o
original nas clássicas roupas e acessórios do cowboy. E se na fase inicial este
Lucky Luke, algo desinteressante no traço, estranha-se, a verdade é que ao longo
da estória esse “desinteresse” vai parecendo cada vez menos um pormenor importante.
Onde Bonhomme marca a diferença é no ritmo dado à estória
pela alternância na composição das vinhetas e sobretudo pela fabulosa
utilização das cores. As personagens de traço simples e claro vão alternando
entre cenários bem elaborados e de imenso detalhe, onde Bonhomme caracteriza
bem o visual que reconhecemos ao velho Oeste Americano, com vinhetas cujo
cenário pouco mais é que a utilização da cor como contraste, realçando o efeito
dramático da estória. A cor vai marcando também o ritmo de leitura e de
evolução da história, entre a paleta mais colorida utilizada nos períodos de
dia e o tom único dos períodos de noite (normalmente em alternância entre o
azul e o amarelo das capas com que A Seita editou o livro).
Página Inicial |
O argumento não faz deste O Homem que matou Lucky Luke
o livro da vida de ninguém, mas é uma bela homenagem de um autor de BD e sobretudo
de um fã, a uma personagem que obviamente faz parte das suas (e das nossas)
referências. Bonhomme centra a estória num Lucky Luke tornado lenda nesse Velho
Oeste, que tem de lidar com esse estrelato de forma constante e que se mostra
bem mais irascível que o Cowboy de Morris, perante as contrariedades que vai
encontrando na pequena cidade de Froggy Town.
E de contrariedade em contrariedade (sendo a mais simbólica a dificuldade
em conseguir tabaco) é conduzido até à cena da sua morte. O senão vai para (a
ausência de) Jolly Jumper: graficamente sem personalidade e limitado a um
pequeno gag a meio da estória. O fiel companheiro de Lucky Luke merecia mais do que ser uma
pequena nota de rodapé e faz-me colocar a questão: Lucky Luke seria o mais
famoso de todos os cowboys sem o seu mítico cavalo?
A chegada a Froggy Town |
Uma última palavra para o texto de João Miguel Lameiras
incluído como extra desta edição: mais um momento obrigatório de JML para
aqueles que gostam de ler sobre BD. Para uma crítica sobre este livro, de alguém
que percebe algo mais sobre Banda Desenhada, sugiro a análise do Pedro Moura no
seu blog Lerbd publicada em 2016 aquando do lançamento do livro
O Homem que matou Lucky Luke
Argumento, desenho e cores – Matthieu Bonhomme
A Seita – Fevereiro de 2020
240 x 315 mm, 72 págs., capa dura
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