Capa da 1ª edição - Dezembro 2017 |
O Filipe Melo é alguém singular no nosso panorama
cultural: já fez de tudo um pouco, da música à BD e ao cinema.
O que mais admiro no Filipe Melo é que é aquele tipo de
pessoa que quando tem uma ideia faz com que essa ideia aconteça: e faz com que
aconteça com qualidade! No início deste Milénio (em 2003, mais precisamente)
escreveu e produziu o primeiro filme de zombies português, I'll See You in
My Dreams, e venceu o prémio de Curtas-metragens do Fantasporto. E porque quando
faz, faz com qualidade, ainda tivemos o bónus da banda sonora dos Moonspell.
Uma mão-cheia de anos depois, quis escrever uma BD e foi
encontrar no outro lado do equador um argentino desconhecido cheio de talento
(Juan Cavia) para desenhar o seu Dog Mendonça e Pizza Boy. Só que uma
vez mais, era para ser bem feito, e como só o mercado português não era
suficiente, conseguiu o feito de ser o ÚNICO argumentista português a publicar
numa editora top do mercado Americano (para a Dark Horse) e repetiu a
dose nos capítulos seguintes da saga. Por cá, apesar de não termos números de
vendas divulgados, deve ser um dos livros de BD portugueses mais vendidos de
sempre.
Mas mesmo quando são projectos que parecem pequenos, o
Filipe tem o seu toque de Midas: começou por ir ao cinema com o Senhor do Adeus
e com o Tiago Carvalho, continuou só com o Tiago de Carvalho e mais meia-dúzia de
“malucos” no Corte Inglês e acabou com uma tertúlia de cinema que semana após
semana enchia o Nimas.
Para a geração que está agora entre os 30 e poucos e os 40 e
muitos (onde me incluo), o Filipe Melo fez aquilo que todos gostaríamos de
ter feito: foi um geek que passou a fazer parte da cultura geek.
Capa da 2ª edição - Novembro de 2018 |
Em 2017 (já depois de 4 Dog Mendonça e o excelente Vampiros)
voltou à BD com um enorme pequeno projecto: na revista Granta aparece
Sleepewalk, 28 páginas de BD que são um dos melhores exemplos que conheço de
que não precisamos de muitas palavras e imagens para contar uma (muito) boa
estória. Só precisamos de ser (muito) bons contadores de estórias.
Quando foi publicada, a discussão na blogosfera foi bem
reveladora da pequenez do mercado de BD português: 19 euros da revista Granta
n.º9 (partindo do pressuposto que só queremos ler BD), eram demasiado caros
para o tamanho da estória. E pouco tempo depois quando Sleepwalk ganhou
a companhia de outra estória, Majowski, no livro Comer Beber, os
15 euros das 72 páginas também era demasiado. Como se a qualidade do que lemos,
fosse proporcional ao número de páginas ou peso do livro…
A arte de Sleepwalk em BD |
Um ano depois, Sleepwalk conheceu uma versão em
cinema: falhei a sessão de estreia em 2018 no Indie Lisboa e só nesta
quarentena, no final de Março de 2020, com a disponibilização gratuita no
YouTube, pude apreciar este “novo” projecto do Filipe Melo.
Muda o meio, mas voltamos outra vez ao mesmo: tudo aquilo
que precisamos para nos deixar satisfeitos é uma (muito) boa estória e um (muito)
bom contador de estórias. O ritmo da BD é naturalmente diferente
do filme. Os 5 minutos de BD passam a 15 minutos de filme e
aquilo que é contado em algumas vinhetas na BD, ganha novas pausas nas imagens
da curta-metragem. O cenário é um retrato fiel do que Juan Cavia já tinha posto
em papel e o argumento de Filipe Melo é (quase) rigorosamente o mesmo, embora com um subtilmente diferente pormenor no final.
Ganhamos no filme a banda sonora de Filipe Melo interpretada
por Norberto Lobo, que na releitura que fiz da BD pouco tempo depois de
ver o filme, continua a estar presente como se sempre ali estivesse (o Filipe
Melo bem pode pensar em publicar, conjuntamente, o seu próximo livro de BD com
Banda Sonora).
Autógrafo de Juan Cavia e Filipe Melo |
Comer Beber é fisicamente um livro algo estranho:
formato muito pequeno (uns 13,5 x 19 cm provavelmente inéditos na BD portuguesa) que
por vezes parece não deixar respirar a excelente arte de Juan Cavia. Mas que
por outro lado, dá às estórias que contém, um aconchego certo para as emoções com
que trata.
Sleepwalk / Comer Beber, são excelentes exemplos de pequenos
tesouros que a produção cultural portuguesa vai produzindo: ganha o livro, por
que tem mais uma estória, Majowski, parceiro certo (o Beber) de Sleepwalk (o
Comer). Pelo menos enquanto o Filipe Melo não fizer essa versão cinematográfica.
E se o Filipe Melo, nas notícias que têm vindo a público,
está embarcado num novo projecto de BD distinto para este 2020, só podemos
esperar como leitores, que regresse a este Comer Beber mais algumas vezes: parecem
ter ficado ainda muitas estórias gastronómicas por contar.
Sleepwalk disponível em:
Filipe Melo numa Ted Talk:
Como tudo começou (I´ll See You In My Dreams):
Sleepwalk
Argumento e Realização – Filipe
Melo
Música – Filipe Melo e Norberto
Lobo
Força de Produção - 2018
14min. 35seg.
Comer Beber
Argumento – Filipe Melo
Arte – Juan Cavia
Tinta da China – Dezembro de
2017. 2ª edição com nova capa em Novembro 2018.
135 x 190 mm, 72 págs., capa dura
13,90€
Avaliação (da curta-metragem e da BD):