sexta-feira, 1 de maio de 2020

HABIBI


 
   
   Desde que a DEVIR publicou a edição portuguesa em 2014, que Habibi constava na minha lista de obras de banda desenhada a adquirir. Conhecia do autor Craig Thompson o maravilhoso Blankets e Habibi seria uma escolha óbvia e natural de aquisições próximas. 
   Mas por uma ou outra razão (sobretudo o preço, €39,99, ainda que facilmente justificáveis pelas 672 páginas) outras prioridades foram avançando e Habibi foi ficando pelo caminho. Até que esta Quarentena e as muitas horas de reclusão, me fizeram encontrar no OLX o livro como novo, a um preço simpático. Alguns dias mais tarde, recebi os 1,632Kg de livro e alguns dias de leitura pela frente.
   Com o selo da colecção Biblioteca de Alice (que tem trazido o que de mais interessante a DEVIR tem publicado nos últimos anos), a edição portuguesa de Habibi é de muito boa qualidade. Discussão à parte sobre o desconforto que é ler um livro de 672 páginas com o peso que tem, a edição é cuidada, a encadernação é excelente (essencial para este volume de livro) e a DEVIR não se poupou sequer aos dourados que preenchem a capa, contracapa e lombada e que tornam Habibi num livro visualmente bonito.
   Se por fora Habibi convida à leitura, quando abrimos o livro a primeira impressão é marcante: a arte de Craig Thompson é maravilhosa e parece ainda melhor que em Blankets. O calor da expressão das personagens, a qualidade dos cenários, a riqueza dos abundantes arabescos, tudo concorre para um espectáculo visual grandioso. Se há autores cuja arte parece ter nascido para ilustrar Romances Gráficos, Thompson é sem dúvida um deles.
A maravilhosa arte de Craig Thompson
   Enquanto dura esse espectáculo visual, durante centena e meia de páginas ou um pouco mais, fica aquela sensação inigualável para um leitor, de que podemos estar a ler uma obra-prima, um daqueles livros que colocamos no nosso panteão de leituras. Que coincide também em termos de argumento, enquanto Craig Thompson quer apenas construir a relação entre Dodola e Zam, as personagens do livro. E nesse registo das relações, e as suas diversas e ricas nuances, Thompson é um absoluto mestre como já tinha demonstrado em Blankets. 
 
   
   Só que a partir de determinado momento, Craig Thompson parece ir para fora de pé e Habibi transforma-se em muitas coisas diferentes e vai perdendo lentamente a identidade e a coerência interna que sustentam qualquer bom livro. De estória de amor e sobrevivência, passa a manifesto ecológico, a manual de iniciação ao islamismo, a panfleto sobre racismo e discriminação de género e a piscar de olho às Mil e Uma Noites de Xerazade.
   E ainda que essa estória de amor entre Dodola e Zam esteja sempre presente, deixa de ser suficiente para sustentar Habibi e acaba também ela por naufragar nas muitas coisas em que este romance gráfico se transforma.
   Acabamos por perceber as limitações de narrativa do próprio Craig Thompson: enquanto conta uma estória que é sua (e a de Blankets é-o sem dúvida alguma) consegue-nos levar ao sítio exacto onde nos quer levar. Quando conta uma estória retirada do seu universo de referências (ainda que possa ser o seu universo de interesses…), perde-se e perde-nos como leitores, e fica aquela sensação de que não está a dominar aquilo que está a escrever. 
   
   Habibi é um mau livro? Claro que não. 672 páginas da belíssima arte de Craig Thompson justificam plenamente as horas de leitura concedidas.
   Mas Habibi promete muito mais do que aquilo que consegue dar, o que é normalmente fatal para um livro. E sobretudo Habibi não está perto da qualidade de Blankets: e quando se escreve uma obra com a qualidade de Blankets, ficamos à espera que as obras seguintes estejam pelo menos perto de ser tão boas.

Para uma espreitadela à obra fica o Teaser publicado pela DEVIR:

HABIBI
Argumento e Desenho: Craig Thompson
DEVIR - Outubro de 2014 (Colecção Biblioteca de Alice)
160mm x 228mm, 672 páginas, capa dura
39,99 € (actualmente em promoção “Dia do Livro” na DEVIR por 30€)

Avaliação:
(pela arte)

 

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